Nota Introdutória

Nota Introdutória
Este jeito
de contar as nossas coisas
à maneira simples das profecias
- Karingana ua Karingana-
é que faz o poeta sentir-se
gente(...)
José Craveirinha
(1922- 2022)
UMA NOITE NO MUSEU serviu de ignição aos jovens e novos autores para participarem desta 3.ª edição da Oficina de Ficção Narrativa. O que nos move a escolher este tema é simplestemente a ideia de provocar, de instigar a produção textual em prosa de vários escritores e escritoras que habitualmente assediam-nos, de forma positiva, sobretudo nas plataformas digitais com os seus textos inéditos, partilhados no auditório febril da redes, como forma de manter vivo o momento, recorrendo ao critério da emoção, mas nas mesmas redes despontam muitos com talento, à procura de um lugar ao sol. Outros há, mais recatados, socorrem-se das gavetas, tal como os Museus procedem, no seu incessante diálogo com o tempo. E, alegra-nos haver por estes tempos ainda pessoas a ler, a escrever e que ainda acreditam que as palavras podem até erguer museus de histórias e de poemas.
Vale a pena recordar que o tema desta oficina integrada no Festival Gala Gala realizado pelos Centros Culturais de Maputo é inspirado por um dos livros, OS OLHOS DESLUMBRADOS, publicado em Junho do ano 2001, no Centro Cultural Português, por Fernando Leite Couto, poeta, jornalista, editor, divulgador cultural, um mentor de muitas gerações de autores moçambicanos. Por via do festival Gala Gala, de forma singela, pretendemos manter vivo o legado do patrono, em diálogo com os jovens e novos autores. Este desafio foi levado a cabo pelos monitores, a escritora e activista literária Virgília Ferrão, o editor e jornalista Celso Muianga, e o Poeta e ensaísta Léo Cote.
Em resposta ao repto de UMA NOITE NO MUSEU foram escolhidos os finalistas, reunidos em colectânea. Realçámos que, comparativamente com às anteriores duas edições, pela primeira vez, dentro da disponibilidade dos finalistas, dialogamos de forma presencial, salvo o participante que reside na província de Manica.
Não hesitamos em recuperar a ideia de Viktor Shklovsky, quando refere que “A arte existe para que se possa recuperar a sensação de vida, para que possamos sentir as coisas, para devolver à pedra as qualidades da pedra”, em inglês, to make stone stony. Explorando a temática acima referida, talvez por efeito pós-pandémico, ressaltou à vista dos monitores a temática introspectiva dos textos, de resgate, de fantasia, de sonhos e de paixões.
De facto, o Museu é lugar do culto do sortilégio estético, de conquista de algo que pertence à memória colectiva, mas que, pasme-se, os museus, alguns perdidos na galáxia do passado revolucionário, para além do que já existe, há anos, não abundam por cá. Tudo isto constrasta com o facto de haver no país marcos assinaláveis e merecedores de museus, desde a Timbila, classificada pela Unesco como Património da Humanidade, a dança Nyau, igualmente elevada à categora de Património imaterial da Humanidade. Muito mais há e sãos feitos históricos da atleta Maria de Lurdes Mutola, primeira e única campeã Olímpica, numa carreira coroada de êxitos, só para mencionar alguns exemplos.
Por isso, reclamamos esse lugar de construção da memória, usando a energia que irradia dos OLHOS DESLUMBRADOS emprestados pelo Mestre Fernando Leite Couto. Valorizar o passado é também uma forma de projectar o futuro. E, tal como nos segredam os sábios, as nossas vivências, as nossas histórias e fantasias são um precioso acervo para a ficção. Nesta edição, cada um dos autores debitou a sua dose de talento na prosa, a oscilar entre o conto e a crónica. Está evidente o potencial, o talento e o desafio contínuo para cada um dos finalistas para prosseguirem com os exercícios desta oficina.
Esta edição digital dos OLHOS DESLUMBRADOS tem no Museu da Mafalala a sua catedral, o que até e porque não, anuncia de certa forma, a ideia de uma residência literária para, num futuro breve, possamos reunir sinergias para lapidar os textos das três edições, ao ponto de os 36 textos já produzidos até agora encontrem apoios para serem publicados em formato físico. Estando na Mafalala é um dever da memória evocar José Craveirinha neste ano do seu centenário natalício, para abrir as portas da seu legado e, como quem folheia um livro, com o mesmo encantamento de quem visita um Museu.
Votos de boas leituras para todos!
Maputo, 16 de Setembro 2022
Os Monitores
Virgília Ferrão, Léo Cote e Celso Muianga
Leia a edição digital aqui:
https://issuu.com/fundacaofernandoleitecouto/docs/olhos_deslumbrados_2022