Em « Hemísférios » Teresita Raffray mostra-nos os dois lados diferentes, mas interdependentes, da sua prática artística, utilizando a técnica da aguarela e da colagem.
Na aguarela a artista realiza um estudo metódico da cor pretendendo responder a certas interrogações que a preocupam sobre a representação pictórica do mundo que a rodeia, um estudo que culmina em diferentes e belos trabalhos de composição abstracta.
Aqui a cor não tem uma expressão única, mas dilata-se, apodera-se de territórios vizinhos, tentando definir-se como se fosse um espelho de introspecção da própria artista.
Teresita interessa-se pelas infinitas possibilidades de manchas produzidas pelo pigmento e pela água, dois elementos que podem ser controlados ou deixados ao acaso e pelas composições que apresentam, um diálogo entre formas orgânicas, uma geometria imperfeita, linhas e aguadas transparentes.
A aguarela torna-se a principal protagonista desta exposição, onde as ondas de cor assumem um papel de enorme relevo pelo seu valor estético e artístico.
Demonstrando que a cor pode ser modificada através de uma sobreposição de tonalidades, por malhas de sombra, ou até mesmo pela colocação de elementos simples com a linha em repetições paralelas, a artista cria imagens poderosas num trabalho que de certo modo poderá comparar-se à interpretação harmoniosa de uma sinfonia musical reproduzida em diferentes instrumentos.
As múltiplas tonalidades de uma mesma cor, a forma como a artista intervém e as reproduz, fazem a apologia do pormenor na construção das suas obras.
Na obra, sem título, (políptico) reunindo peças cromáticas independentes num único quadro de efeito visual marcante a artista percorre todo o espectro da sua paleta. É o resultado de um estudo investigativo da temperatura e do tom da cor.
Teresita diz-nos que este seu trabalho é uma homenagem ao grande compositor Johann Sebastian Bach e à sua obra “O Cravo Bem Temperado”.
J.S.Bach, através da sua experiência musical, utilizando 48 prelúdios e tons musicais em diferentes escalas, deixa um legado ao mundo da música e aos jovens compositores que a interpretam. Na música, a técnica do contraponto, utilizada por Bach criou um efeito harmónico que é ainda usado nas criações musicais dos nossos dias.
O outro aspecto do trabalho de Teresita são as colagens onde a intuição é o seu guia. Nelas procura chamar a atenção do espectador, preenchendo com cor os limites entre objetos reconhecíveis e situações perturbadoras ou estranhas.
O seu objetivo é dizer coisas sem as nomear, optando por fragmentar objetos e corpos, a fim de desafiar a nossa ideia da realidade, bem como os padrões de beleza que a sociedade de hoje nos impõe. A aquarela é usada como pano de fundo para esses mundos de fantasia.
Nesta exposição, Hemisférios, onde se destacam duas importantes vertentes, o aspecto técnico, sistemático e ordenado por um lado mas também a criatividade experimental por outro, damos a conhecer ao público as obras de Teresita Raffray, para que sejam apreciadas não apenas num ambiente de mestres em que as teorias da cor e da técnica são discutidas em dissertações filosóficas, mas onde caberá a todos os amantes da arte a tarefa de julgar e criticar, numa perspetiva menos didática, o trabalho artístico de Teresita Raffray.
Yolanda Couto
Curadora